Ao mesmo tempo em que abriga a maior floresta tropical do mundo, o Brasil se converteu em um dos paÃses mais perigosos das Américas para defender o meio ambiente, argumenta o colombiano Pedro Vaca Villarreal, que acompanha a investigação dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips.
Desde 2020, ele é o relator especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Villareal tem acompanhado o caso desde o dia 6 de junho, quando a União dos Povos IndÃgenas do Vale do Javari (Univaja) deu o alerta de que Dom e Bruno haviam desaparecido enquanto tentavam chegar de barco ao municÃpio de Atalaia do Norte (AM).
Eles voltavam de alguns dias de trabalho na região de uma das maiores terras indÃgenas do Brasil e teriam testemunhado e registrado a ocorrência de crimes ambientais – a suspeita é de que isso representou o fator principal nos assassinatos.
Pescadores ilegais da região confessaram o crime e levaram a PolÃcia Federal até o local onde os corpos foram queimados e enterrados. As investigações ainda não foram concluÃdas
Villarreal afirma que o caso de Dom e Bruno, que ganhou enorme repercussão internacional, está longe de ser um episódio isolado. Antes, faz parte de uma escalada de violência na região que a CIDH tem denunciado.
“O assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira é reflexo do contexto de violência contra os defensores do meio ambiente no Brasil. Os repetidos relatos de violência contra defensores fizeram do Brasil um dos paÃses mais perigosos da região para defender o meio ambiente”, disse Villarreal à BBC News Brasil.
Em 2021, antes mesmo que o caso de Dom e Bruno ganhasse espaço nos maiores jornais do mundo, a CIDH publicou relatório sobre a situação dos defensores de direitos humanos no Brasil, no qual destacou “incontáveis ??casos de defensores de direitos humanos ameaçados, perseguidos e até mortos”.
Segundo Villarreal, “há um quadro de vulnerabilidade persistente dos defensores que alarma a CIDH”.
A Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais do órgão apontou, em monitoramento, que o paÃs está na quarta posição no ranking mundial em número de assassinatos de ativistas ligados a causas ambientais, com 20 homicÃdios registrados em 2020.
Mais esforços de investigação
A CIDH foi um dos primeiros órgãos internacionais a recomendar que o Brasil aumentasse os esforços para descobrir o paradeiro de Dom e Bruno, diante de denúncias de indÃgenas sobre os poucos recursos despendidos inicialmente nas buscas.
Agora, para Villarreal, o desafio do Estado brasileiro é duplo: fazer uma investigação de excelência, que esgote as possibilidades e chegue a um resultado satisfatório, e alterar as condições que têm permitido a escalada de violência e a deterioração ambiental na Amazônia.

Quanto aos procedimentos investigativos, Villarreal afirma que “os trabalhos parecem estar avançando”, mas também admite haver “opacidade” no modo como as informações têm sido repassadas ao público, o que, segundo ele, gera desconfiança.
Um dos pontos mais controversos até agora foi o comportamento dos órgãos investigativos em relação à existência ou não de mandantes para os crimes.
Em 17 de junho, 12 dias após os assassinatos, a PolÃcia Federal divulgou uma nota em que excluÃa a possibilidade de haver um mandante por trás da ação dos pescadores que admitiam culpa pelas mortes até aquele momento.
Uma semana mais tarde, no entanto, o superintendente da PF no Amazonas, Eduardo Fontes, recuou e admitiu a possibilidade de que alguma organização criminosa pudesse estar por trás das mortes.
O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, o que, segundo Villarreal, obriga o paÃs a esgotar a possibilidade de que os homicÃdios tenham sido encomendados justamente pelas atividades de defensor de direitos humanos e de jornalista dos dois alvos.
“Em relação à responsabilidade pelo assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira, as normas interamericanas estabelecem que as investigações sobre os assassinatos de defensores de direitos humanos e jornalistas devem levar em conta a existência de possÃveis mandantes. Da mesma forma, a profissão (dos dois) deve ser tomada como possÃvel motivo do crime. Destacamos que estas linhas de investigação devem ser totalmente esgotadas no caso de Dom Philips e Bruno Pereira”, afirmou Villarreal.
Ainda segundo o relator da CIDH, a investigação precisa ser concluÃda em “prazo razoável”, “sem falhas nas coletas de informações” e “sem descartar possibilidades investigativas lógicas” sobre o crime.
“A falta de uma resposta institucional enérgica envia uma mensagem permissiva à violência”, alerta Villarreal.