
- DO SITE O ANTAGONISTA
Arnaldo Jabor morreu, aos 81 anos, depois de passar a vida querendo assistir ao nascimento de um novo Brasil. Infelizmente, é como morreremos todos nós que passamos a maior parte do tempo denunciando, esbravejando, analisando, escrevendo e falando sobre este triste país, de uma perspectiva que não compactua com a burrice, a ignorância, a desonestidade (inclusive intelectual), o patrimonialismo, a vulgaridade e a caipirice. Num dos seus comentários no Jornal da Globo, em outubro do ano passado, ao comentar sobre a CPI da Covid, Arnaldo Jabor (foto) afirmou que, depois de tudo o que foi revelado, “se a velha política prevalecer, podemos sair da barbárie para a decadência, sem conhecer a civilização. Pois como sentenciou Millôr Fernandes uma vez: o Brasil tem um longo passado pela frente“. Pois é, a velha política prevaleceu e continuará prevalecendo.
O longo passado pela frente se desenrola todos os dias a trabalhadores e pequenos e médios empresários da área produtiva, às voltas com cidades precárias e serviços essenciais abaixo da crítica, falta de oportunidades, impostos altos, criminalidade, corrupção e ganhos obscenos de um mercado financeiro que só suga as energias de um país exangue, mas acha que está fazendo um bem danado à nação. Desenrola-se, e enrola, também por meio da hipocrisia, da demagogia e das mentiras deslavadas ditas nas diferentes esferas do poder ou nas suas proximidades.
A enormidade está muito além da “pós-verdade” ou qualquer outro eufemismo que se possa usar em relação ao que não passa de mentira, enganação, conto do vigário, embuste, gazopa, trapaça. É pura cara de pau. Jair Bolsonaro foi à Rússia porque está isolado no cenário internacional e, por isso, prestou-se a fazer o jogo de Vladimir Putin, sem medir as consequências do seu ato e muito menos demonstrar qualquer solidariedade real em relação à Ucrânia, como escrevi ontem. Se Vladimir Putin desistiu mesmo de cometer a agressão ao país vizinho, e não é que o seu recuo esteja garantido, isso se deve à atuação intensa da diplomacia americana e europeia, do receio das consequências para a economia do país e da falta de apoio da população russa, que não foi suficientemente enganada pela historieta de que é a Ucrânia que representa uma ameaça.
Como é que pode um ex-ministro ser tão mentiroso, tão irresponsável, e espalhar fake news desse jeito? E não me venham dizer que essa patranha é liberdade de expressão. Porcaria nenhuma. Respeitem os meus 60 anos, por favor, a maior parte deles desperdiçados defendendo a liberdade de expressão e tomando pancada no lombo por causa dessa escolha pessoal, e pancada de verdade, não cancelamento em Twitter. Ricardo Salles não difere dos demais próceres bolsonaristas — os filhos do presidente, principalmente–, que espalham mentiras cabeludas o tempo inteiro. Mas o idiota aqui, o palhaço aqui, ainda se espanta quando se depara com uma barbaridade dessas, vinda de quem foi autoridade até ontem, e autoridade com interlocução internacional.
Não há conexão entre o bolsonarismo e a realidade, entre o bolsonarismo e a honestidade, o que não é particularidade, infelizmente, mas outro sintoma de que não há vasos comunicantes entre o Brasil e a civilização. Passaremos da barbárie para a decadência, tendo um longo passado pela frente. Descanse em paz, Jabor. Um dia a gente também chega lá.