
Philip, o personagem, é uma das descobertas da série justamente pelo mistério que sempre cercou o verdadeiro príncipe Philip de Edimburgo, do qual conhecemos apenas sua saudação real e suas piadas inoportunas e indiscretas. O mistério dá mais carta branca para construir uma ficção verossímil, você acredita mais nele do que em Charles porque o conhece menos. Com a imagem do eternamente idoso duque à frente, surpreende o vigoroso e rebelde Philip juvenil, interpretado por Matt Smith nas duas primeiras temporadas, capaz de enfrentar descamisado um elefante furioso na África e de ter tremendos chiliques de rapaz esnobe. De sacrificar por amor uma vida de ação por outra de protocolo e na cena seguinte carecer da mais mínima empatia conjugal, zombando do penteado da esposa ou saindo para beber com os amigos enquanto ela enfrenta algum problema (digamos uma crise de Estado, uma sangrenta revolução nas colônias…). O retrato geral não é muito amável, mas traz humanidade à protagonista.
Porque na ficção, como na realidade, o Philip narrado também é consorte. “Ela é teu trabalho, ela é teu dever”, diz o sogro na cena típica que antecede qualquer casamento no cinema. O personagem serve de muleta para completar o da Rainha, para entendê-la e traçar um arco romântico com mais cor do que ela se permite. É através de Philip que o espectador sente as paixões e a nostalgia de uma vida “normal” que palpita em cabbage (repolho, o apelido doméstico de Sua Majestade).
Mas Philip também tem importância em The Crown. A vida digna de cinema do duque de Edimburgo real dá ensejo a tramas secundárias de sobra. O exílio do aristocrata apátrida, a doença mental de sua mãe, a dureza dos internatos onde foi educado, suas irmãs nazistas, suas tentativas de modernizar a casa real, suas façanhas marítimas, seu interesse por teologia… Tudo aparece na série envolto por uma busca incansável de pertencimento e propósito.
Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$
Há, no entanto, um episódio romanceado da terceira temporada (em que o papel é representado pelo ator Tobias Menzies, que será substituído por Jonathan Pryce na quinta, cuja estreia está prevista para 2022) que é fundamental para o arco do personagem, pois é o momento em que o impetuoso Philip começa a se transformar no Philip que conhecemos. Os três astronautas norte-americanos da Apollo 11 visitam o palácio depois de seu passeio lunar e Philip está louco para encontrá-los em particular. Obcecado pela missão espacial, com um entusiasmo quase infantil, Philip prepara as perguntas esperando respostas transcendentais que o aproximem do sentido que sua vida poderia ter tido se ele não estivesse amarrado à sombra da Rainha. O que pode querer alguém que tem tudo mais do que a lua? O que encontra são três jovens resfriados que narram os detalhes da aventura sem nenhum tom épico ou heroísmo. A expressão de total decepção e tédio infinito no rosto do aristocrata é um poema, e o encontro o catapulta à busca de respostas existenciais na fé e na teologia.
Na realidade, contam seus biógrafos, o príncipe Philip nunca sonhou em ser astronauta, e embora tenha conhecido brevemente Buzz Aldrin e companhia quando estiveram no palácio de Buckingham, a conversa/epifania nunca aconteceu. Mas para qualquer um que viu The Crown, a cena é inseparável da lembrança do falecido duque. O ator Matt Smith disse em uma entrevista ao The Guardian que um conhecido perguntou ao próprio duque em um jantar se ele tinha visto a série. “Não seja ridículo”, respondeu ele com uma careta. No entanto, milhões de nós o fizeram.