ONU de Bolsonaro: elogio a Moro e vez da índia Kalapalo na Amazônia
Vitor Hugo Soares
Visto, ouvido e analisado em perspectiva crítica – do ponto de vista da forma ou do conteúdo, da estratégia política de governo ou de estado, da diplomacia e, principalmente, sob a ótica do jornalismo e de Sua Excelência o Fato (no dizer de Charles de Gaulle), foi relevante – para além da ampla e intensa ressonância que produziu – o discurso do presidente da República, Jair Bolsonaro, na sessão solene de abertura da 74ª Assembléia Geral da ONU, esta semana, em Nova York. No plano caseiro, destaque-se a menção ao ex-juiz condutor da Lava Jato, atual ministro da Justiça e da Segurança, Sérgio Moro, e a pá de cimento jogada sobre o monopólio do cacique Raoni”, como representante indígena referencial do País.
Ao mesmo tempo, a apresentação e abertura das cortinas, no palco maior das Nações Unidas, para entrada em cena da era da jovem índia Ysani Kalapalo – vinda das matas do Parque do Alto Xingu com seus colares típicos e celular em punho – fincada no centro mais nervoso dos debates sobre o polêmico território chamado de Amazônia Legal. De volta à ordem do dia no planeta, com as recentes queimadas, denúncias de desmatamentos e o impróprio pensamento do presidente francês, Emmanuel Macron, ao questionar, na cúpula recente do G7, a soberania brasileira sobre a cobiçada região.
Admita-se, a bem da verdade factual: Bolsonaro, os produtores do texto de sua fala e os que o treinaram para a destacada performance no plenário da ONU, jogaram com signos de comunicação e de marketing invejáveis, mesmo para consagrados marqueteiros e seus idólatras governantes, na história recente do Brasil. No plano do jornalismo político e da diplomacia internacional, a fala do presidente espalhou “leads” – temas relevantes que abrem os textos nas reportagens e apimentam colunas dos jornais, revistas e sites, da mídia impressa ou eletrônica – para todo lado e para todo gosto. De aliados a adversários. E colunas do meio.
Exagerado pensar ou dizer que foi “discurso de um estadista”. Mas, sem dúvida, foi uma boa fala: afirmativa nos acertos e equívocos, contundente, diferenciada em relação à tradição conciliadora do tipo “abre-te pernas”, ou do “deixa como está para ver como fica”, de outros governantes e chefes de estado recentes. Carregado de nuances, a fala ainda dará o que falar, interna e internacionalmente. A conferir.
Alguns exemplos dos “leads” que o mandatário brasileiro salpicou em seu discurso na ONU: bateu com força no “socialismo que ameaçava o Brasil” antes de sua chegada ao Palácio do Planalto, citando como referenciais o Foro de São Paulo e os governos de Cuba e da Venezuela, atacou a corrupção nos governos petistas; condenou o “colonialismo ambientalista”, contestou “a falácia da Amazônia em chamas”. Mandou recados duros ou irônicos a Macron, Merkel e Bachelet; exaltou o aliado Donald Trump, derrapou na tentativa de defesa do regime militar de 1964. E disse mais, muito mais, que não cabe neste espaço.
Se não preencheu de todo o Decálogo do Estadista, segundo Ulysses Guimarães, é certo que Bolsonaro apostou suas fichas no primeiro mandamento: A Coragem. Cujo enunciado diz em sua abertura: ”O pusilânime nunca será estadista. Churchill afirmou que das virtudes, a coragem é a primeira. Porque, sem ela, todas as demais, a fé, a caridade e o patriotismo, desaparecem na hora do perigo”. Ponto final.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta.E-mail: vitors.h@uol.com.br