Estive algumas vezes com o Yuka. A primeira em 1997, durante a cobertura do Abril Pro Rock, no Recife. Jornalistas, músicos e produtores ficavam todos hospedados no mesmo lugar, uma pousada deliciosa, com direito a uma piscina de onde era possÃvel pular da varanda de um quarto próximo, que não foi ocupado só para servir de trampolim para as atrações do festival.
Quem chegava à pousada, sendo hóspede ou não, tinha que, obrigatoriamente, dar um pulo da varanda. Todos – Chico Science, Marcelo D2, Fred Zero Quatro, Yuka, Otto, Jorge Du Peixe, Cannibal, Siba – encararam o batismo numa boa. Só Fernanda Takai, como boa mineira, se recusou. Herbert Vianna, que se achava, também: “Eu uso óculos”. Lembro-me até hoje do comentário do Yuka, ao meu lado. “Ah, não me diga”.
Yuka era o mais sarcástico e inteligente da turma. Não por acaso, o responsável por todas as letras do Rappa, mesmo sendo o baterista. Não consigo lembrar aqui de um só batera capaz de construir uma frase.
A última vez que estive com ele foi em 2014. Um papo para a seção “À Mesa com o Valor”. Ele escolheu um boteco na Tijuca – a primeira vez que fui entrevistar um artista fora da Zona Sul. E Yuka considerava a Tijuca um bairro nobre perto de Campo Grande, região dominada por milÃcias, com altos Ãndices de criminalidade, onde morava toda a sua famÃlia.
Da mensagem, por whatssap, avisando que tinha chegado, até sentar ao meu lado, com a cadeira de rodas, Yuka demorou 40 minutos para entrar no boteco. Exausto e deprimido, mal falou durante a primeira meia hora. A dor da alma se juntava à dor fÃsica – o alto poderia destrutivo dos dois tipos de munição (dum-dum e hollow point) que o atingiram em várias partes do corpo fez com que ele convivesse com uma rotina de privações.
Mas nada o incomodava mais do que ser chamado de “mártir da luta contra a violência urbana do Rio”. Ele convivia há ano com a versão – jamais sustentada por ele próprio – de que levara nove tiros após salvar uma moça de um assalto, quando, na verdade, também estava tentando escapar.
Os bolinhos de feijoada do boteco, considerados os melhores do Rio, começaram a melhorar o seu humor. Depois de comer uma dúzia,ele contou, à s gargalhadas, que na semana anterior, em São Paulo, ele havia sido chamado por uma organizador de uma palestra de “O Mano Brown Erudito”:
“O cara conseguiu ofender o Mano Brown, que pra mim não perde, em qualidade, para nenhum compositor supostamente erudito, e a mim, que sempre cultivei um humor suburbano, totalmente deseducado”.
Acho que foi o primeiro caso da história de embriaguez por bolinho de feijoada (durante toda a conversa, só bebemos água e comemos), pois, no fim da noite, já cúmplices, estávamos os dois com os joelhos grudados um no outro, parecendo um casal de cadeirantes.
Quem chegou pra fechar a noite foi o outro casal, amigo de Yuka e também filiado ao PSOL: Marielle Franco e Mônica BenÃcio.
Que a alma de Yuka esteja, enfim, apontada para a cara do sossego.