ARS POETICA
Poesia é coisa
De mulheres.
Um serviço usual,
Reacender de fogos.
Nas esquinas da morte,
Enterrei a gorda
Placenta enxundiosa
E caminhei serena
Sobre as brasas
Até o lado de lá
Onde o demônio habita.
Poesia é sempre assim:
Uma alquimia de fetos,
Um lento porejar
De venenos sob a pele.
Poesia é a arte
Da rapina.
Não a caça, propriamente,
Mas sempre nas mãos
Um lampejo de sangue.
Em vão,
Procuro meu destino:
No pássaro esquartejado
A escritura das vÃsceras.
Poesia como antojos,
Como um ventre crescendo,
A pele esticada
De úteros estalando.
Poesia é esta paixão
Delicada e perversa,
Esta umidade perolada
A escorrer de meu corpo,
Empapando-me as roupas
Como uma água de febre.
Myriam é escritora, poeta, jornalista e biógrafa. Faz parte da Academia de Letras da Bahia. Publicou Marinhas, O risco na pele, As purificações ou o sinal de talião, Femina, Uma casa de palavras, entre outros.
Corpo
O corpo,
Esta ilusão,
A transparência
Onde o tempo se inscreve,
A esculpida
Relembrança
— o não vivido.
O corpo,
Este completo desfrutar-se,
Onda, peixe, sereia,
De barbatanas selvagens
Como facas.
Corpo — o corpo,
Território do nunca,
Inigualável
PaÃs do meu espanto.
De todos os espantos.
(des)encontros, naufrágios,
PrecipÃcios.
Pássaro-fêmea, carne
Colada em moldura,
Pele, poro.
Myriam Fraga
https://passeipostei.wordpress.com/2013/01/27/poemas-de-myriam-fraga/
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/bahia/myriam_fraga.html