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ARTIGO/ ELEIÇÕES
O carlismo não morreu
Rosane Santana
Os adversários de Antônio Carlos Magalhães, açodadamente, interpretam a vitória de Jaques Wagner, para o governo da Bahia, como a morte do carlismo, ao qual atribuem a prática do clientelismo, do mandonismo e do particularismo, própria das oligarquias desde o Império, e que resiste ainda hoje na política brasileira, farta de exemplos, mesmo entre os que se auto-intitulam porta vozes da transição do “iberismo” para o “americanismo”, isto é, da velha ordem privada para a vida urbana e pública, no dizer de Sérgio Buarque de Holanda.
Um dos traços característicos do carlismo é que sempre soube imprimir uma direção no comando da máquina pública – o que pode explicar sua longa permanência no governo – atributo que o historiador marxista Ilmar Mattos usou para diferenciar, no século XIX, os conservadores dos liberais.
Na verdade, uma antítese à célebre frase do deputado pernambucano Holanda Cavalcante de que “nada mais parecido com um saquarema (coservador) do que um Luzia (liberal) no poder”, dada à similaridade de práticas entre um grupo e outro no exercício da vida pública, a partir do Segundo Reinado. A história se repete ainda hoje, quando muitos políticos abandonam as teses defendidas na oposição.
A formação de um quadro de gestores, especialmente treinados para tocar a máquina administrativa, é um dos trunfos do carlismo. Este aspecto, uma das preocupações do seu núcleo duro, tem importância estratégica para imprimir direção ao governo.
Em lugar de um critério único de recrutamento – o político-partidário, por exemplo – também a valorização das competências selecionadas entre diferentes grupos.
O conflito entre Antônio Carlos Magalhães e os seus adversários, na Bahia, tem funcionado como força polarizadora, na oposição, de quadros dissidentes, muitos dos quais herdaram do carlismo suas práticas mais criticadas.
Alguns, em posição de liderança, estão hoje agrupados em torno da coligação que elegeu o petista Jaques Wagner.
A Jaques Wagner caberá, se quiser, de fato, ser “o melhor governador que a Bahia já teve”, como declarou, imprimir uma direção ao seu governo – não bastam a ocupação da máquina pública, a afinidade com o governo federal e a consequente disponibilidade de verbas da União, num provável segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
À propósito, no século XIX, os saquaremas, sob a liderança de seus dirigentes ilustrados, imprimiram uma direção ao Império, com base no binômio, “Ordem e Civilização”, elegendo a educação entre suas prioridades.
Somente a existência dessa direção e a capacidade de implementá-la poderá fazer do governo eleito, mais do que uma união circunstancial de forças para enfrentar o carlismo, um acontecimento novo na história política da Bahia. Do contrário, encurtará o caminho de volta dos carlistas ao poder.
Rosane Santana é jornalista e professora universitária.
* Esse artigo foi originalmente publicado no jornal A TARDE, em 25 de outubro de 2006. O título original, agora retomado ( “O carlismo não morreu”), foi substituído por “No comando da máquina”, durante a edição pelo jornal baiano. Achei oportuno republicá-lo na atual conjuntura da política baiana e brasileira.
Vitor, o título é perfeito. Exatamente essa é a razão que explica a capacidade dos conservadores de permanecerem por longo tempo no poder. Mas, como a turma da esquerda, à exceção do saudoso Partido Comunista Brasileiro, do meu querido e grande Aristeu Nogueira (Salve, Irará!) ODEIA CULTURA E LIVROS, assim mesmo grifado, não pode entender os segredos da permanência no poder. Veja que os portugueses, durante o antigo sistema colonial (1500-1800), preocuparam-se com a formação de uma elite governante. Esta aliás, foi responsável pela construção do arcabouço jurídico e tecnocrático brasileiro, durante a primeira metade do século XIX, razão do poder da elite baiana no Império.
Detalhe: o artigo bombou na Internet.
E é essa capacidade, reconhecida por muitos, que faz o eleitor voltar-se para ACM Neto, num momento em que a cidade está destroçada por uma péssima administração. E por que não o PT? Porque Jaques Wagner não foi nem de longe “o melhor governador da Bahia”. Ao contrário, encontra-se, segurante, entre os piores da história. Diria mesmo, um desastre.
correção: seguramente
Eleitor gosta do “rouba mas faz”
Não tenho dúvida. Haja vista os últimos 10 anos de PT e coligados no poder, dando continuidade às velhas práticas do patrimonialismo, privatismo, familismo, enfim, tudo que na oposição criticava e condenava, mas fez no poder.
Rosane,
Complementando seu artigo, ainda atual. O governo do PT se valeu dos principais “quadros” (não gosto da palavra, porque pressupõe competência) formados por Antonio Carlos Magalhães. A montanha pariu, como na esfera nacional, um “ornitorrinco”, na feliz definição de Chico de Oliveira. Um governo indefinido. O eleitor pode perder a razão, mas não o faro: se vê um governador petista amparado por carlistas, por que não retornar à grife? A própria esquerda investiu no esvaziamento de seus ideários. Acredito que não devemos mais acreditar em maniqueísmos. É criticar quem esteja no poder, seja lá quem for.
Abração.
Claudinho, sintético e despretensioso, dizendo o fundamental. É um prazer ler o que vc escreve.
Com certeza, Cláudio, pena quer muitos petistas não tenham “cérebro” para entender o que vc disse! bjs.
correção: que
Rosane e Cláudio: ainda bem que podemos contar com a independência intelectual de ( alguns) profissionais/ pessoas como vocês. A propósito, gostei tb muito do artigo de Eliane Brum ” Russumanno e a vulgaridade do desejo” ( revista época) , uma excelente reflexão , da conjuntura atual a partir da campanha eleitoral em São Paulo.
Grande abraço.
Obrigada, Gracinha! bjs