Centro de Salvador:sino com badalo eletrônico
=======================================
CRÔNICA DE DOMINGO
“Sorria, você está na Bahia!”
Gilson Nogueira
Houve o tempo em que “embriagar-se” de Salvador não exigia moderação. A cidade era limpa, linda e solta. Mesmo com todos os absurdos cotidianos, entre os quais incluo flagrar, na minha rua, a “construção” de um cacete armado feito de velhas portas de compensado cercando uma árvore, para servir de sanitário público, inebrio-me.
Apesar de todos seus males urbanísticos, sua beleza natural e seus encantos tantos livram-me da ” ressaca.” Amo a terra em que nasci. E sigo, feliz, dialogando com ela, sorrindo com sua gente, minha gente, e seus espaços, todos, de brisa mãe e azul imenso, como seu santo sol. Vou sabendo que, um dia, um prefeito novo, com idéias novas, e, sobretudo, capacidade administrativa, comprometido com seu povo, irá mudar o atual estado de coisas que faz Salvador ser considerada, no Brasil e no exterior, um dos lugares mais sujos e violentos do planeta.
Violência que se manifesta, também, além das mortes, no descaso com a saúde da população soteropolitana, com sua mobilidade urbana, com a prestação de serviços de toda espécie, com educação e qualidade de vida. Não há mais aquela vontade de “beber” Salvador com os olhos, como antigamente, quando não implicava em fazê-lo com moderação, como hoje, já que na capital da Bahia, um dos diamantes arquitetônicos e culturais, lapidados com amor pelos seus ourives gestores, tudo era lindo.
Minha alma chora e não canta, agora, como a de Tom Jobim cantou ao ver o Rio de Janeiro da janela do avião. A péssima condição das ruas, avenidas, praças, viadutos, praias, jardins e passeios da velha cidade da Bahia, dona da terceira população do país, é uma prova que Salvador, no momento, faz mal à saúde. Sua cena urbana, enquadrada na lente do repórter das antigas, é insuportável, difícil de ser assistida com a calma que minha médica recomenda. Quando o tema é trânsito de veículos,saneamento básico e segurança pública, não há pressão que não suba. A decadência da capital do berimbau virou assunto nacional, fato que envergonha quem acompanha, pelos jornais, rádios e emissoras de televisão, seu noticiário diário.O reino do acarajé e do abará está abandonado.
“ Tá todo mundo naquela do salve-se quem puder. A cidadania é atropelada, a cada segundo. São raros os exemplos de gentileza, no dia a dia das ruas. Sufocados pela correria, que desconhece o direito do próximo, agride-se o outro e as boas normas de convivência citadina.” Salvador não é mais aquela cidade hospitaleira dos anos em que Itapuã tinha uma lagoa escura cercada de areia branca e suas areias faziam parte do santuário de Dorival Caymmi e de Vinícius de Moraes. As areias alvas, como hóstia, estão sendo roubadas, em caçambas de ladrões fantasiados de construtores, como gesto supremo de afronta aos poderes constituídos. A cidade nação, como a batizou um poeta, virou um mangue, diria o padeiro da esquina. É ele quem fala: ” Não temos condições de ser umas das sedes da Copa do Mundo de Futebol, em 2014. Dificilmente, o metrô estará funcionando, até lá.Salvador tá uma merda só.”
A idéia desse texto surgiu, quando, na Praça Thomé de Souza, mais conhecida como Praça Municipal, caminhando, há uns 20 dias, com a cabeça no passado e os olhos no presente, lembrei o dia de Carnaval, de 1969, em que o blocoVat 69 resolveu dar a volta na Praça da Sé e acabou parando em uma delegacia que ficava próxima ao antigo Belvedere da Sé. Tudo por conta do “espeto” que alguns dos integrantes do cordão ( sem corda) deram em uma adorável baiana do acarajé. O “barraco”, levado a samba, cerveja, confete e serpentina, teve um final feliz, graças ao famoso comissário Juracy.
Diplomaticamente, aquele simpático policial, impecável no exercício do dever, que não perdia jogo do Bahia, na Fonte Nova de todos os baianos, fez os biriteiros pagarem o “ birro” e, embaixo de ” Viva o grande Jura!”, festejado pela galera, como ídolo, teve que conformar-se com as manchas de dendê no seu terno de linho branco.
Cercado pelo Elevador Lacerda, Palácio Rio Branco, Prefeitura, Sorveteria Cubana e Palácio Thomé de Souza, onde funciona a Câmara de Vereadores de Salvador, ouvi um sino tocar, indicando-me 11 horas da manhã. Um sino de bronze, pesado, desses de igreja, imaginei. De repente, para meu espanto, seu badalo não balançava. Embaixo dele, do sino do badalo imóvel, um alto-falante, em volume considerável, mandava para o espaço o som de badaladas eletrônicas. Apressei o passo e pensei: “Sorria, você está na Bahia! ”
Gilson Nogueira, jornalista, colaborador do BP
Que pena, Gilson, ler sua dor de ver a nossa Bahia perder seu brilho e seus encantos, debaixo do descaso dos seus administradores. Estarei chegando ai dentro de uma semana, vou conferir com meus próprios olhos, eu descrente que sou….rsrsrsrrs
Quem deixa a Bahia um dia, por sorte ou por descuido, leva ela consigo sempre e a exibe em qualquer canto que habite. Vou ver o Chico cantar no teatro Castro Alves, onde o vi nos seus primeiros ensaios, timidamente e já deslumbrante. Vou ver meus amigos, velhos e novos, que se juntam aos meus irmãos e formam minha familia. Vou me banhar nas aguas santas de Yemanjá, comer acarajé e abará na Dádá. Vou por que eu não posso viver sem ela, volto a cada 2 anos, e preciso dela dentro de mim.
Um abraço, velho amigo, espero lhe ver por lá …..
Gilson, perfeito o seu “Sorria, você está na Bahia”, um retrato de quem está de longe, mas sentindo na alma e no corpo as muitas razões de “beber a Boa Terra, porém com precavida moderação”. O preço a ser pago para reconstruir Salvador e o Estado são incomensuráveis e fogem à competência do mais preparado dos financistas. Fazemos o melhor para preservar um pouco da beleza do por-do-sol no Porto da Barra, guardando os devidos cuidados para não ser assaltado, ou, como ocorre normalmente, ser assassinado. Que saudades do tempo de Cuíca de Santo Amaro!
Em tempo: gostei do site de Victor Hugo, exemplar e competente jornalista baiano, que reuniu uma plêiade em torno dele.
Vilalva
Bahia em Pauta também gostou muito de sua presença por aqui. Chegue mais e a pleiade ficará ainda melhor.
Grande e agradecido abraço
Vitor Hugo
Geraldo,
Um abraço. Quanto tempo…
Do duas vezes colega,
Ivan
Tão verdadeiro o seu texto, dá vontade de chorar.
Amigos Regina e Geraldo, com açúcar e com afeto a Bahia nos fez, assim, capazes de ver e ouvir seus gemidos. Tomara que sua dor, que é nossa, também, passe, como passarão os que mentem para o povo e que não sabem amar a capital do berimbau. Ah, viva Chico!!!
Graça, não chore, não chore, não chore, nós vamos salvar Salvador com a força do nosso voto. Ainda.