Lula com Cristina no velório de Néstor Kirchner
=================================================
ARTIGO DA SEMANA
Tango brasileiro para Cristina
Vitor Hugo Soares
Em fevereiro deste ano, um mês depois da festa da posse da presidente Dilma Rousseff, o carnaval fervia no Brasil. Nos camarotes mais badalados, frequentados por empresários, polÃticos e “celebridades” no circuito Barra-Ondina, em Salvador, e no sambódromo na Avenida Marquês de SapucaÃ, no Rio de Janeiro, já rolava a pergunta da hora: “E agora, fora do Palácio do Planalto, o que o ex vai fazer”?
No mesmo perÃodo, metido em um daqueles táxis pintados em tonalidades fortes de preto e amarelo, uma das marcas da cidade para o visitante, eu cruzava Buenos Aires a caminho do hotel onde estava hospedado, na Calle Lima. Por puro vÃcio profissional, mal percebia a linda paisagem da ensolarada tarde portenha à minha frente. Da janela do automóvel, preferia olhar curioso para os inumeráveis quiosques de jornais e revistas ao longo das largas calçadas.
Na verdade, andava atraÃdo principalmente pela capa sensacional de “Noticias” daquela semana. Lá estava, em formato de esfinge, o retrato da presidente Cristina Kirchner em seus primeiros ensaios explÃcitos com vistas à conquista do segundo mandato na Casa Rosada. A chamada de capa para a reportagem naquela edição dos “140 dias da presidente vestida de negro”, não escondia as suspeitas sobre a utilização marqueteira do luto como arma na caça ao voto: “El Extraño Luto de Cristina”. Dispensa tradução.
Escrevi sobre isso neste espaço ao retornar da viagem. No princÃpio, porém, tudo parecia muito distante, diga-se a bem da verdade factual. “O projeto de bis da viúva Kirchner no poder” mostrava-se um desafio considerado quase inatingÃvel antes da morte repentina do marido ex-presidente, até mesmo para muitos aliados históricos do justicialismo peronista. Diante de resultados eleitorais e de pesquisas mais recentes, a empreitada parece agora “um passeio por Olivos” até para adversários mais ferozes e competitivos.
Um deles, o prefeito Mauricio Macri, de Buenos Aires, citado na grande imprensa argentina como praticamente imbatÃvel há menos de um ano. Este até já entregou os pontos, atropelado pelo fiasco de sua administração à frente da cidade-vitrine da América do Sul.
O liberal e moderado Ricardo AlfonsÃn, atualmente considerado o mais competitivo candidato da oposição para as eleições presidenciais de 23 de outubro próximo na Argentina, ameaça igualmente “jogar a toalha” antes mesmo do primeiro “round”. Domingo passado, o filho do saudoso e eticamente modelar ex-presidente Raul Alfonsin, reconheceu ser quase impossÃvel ganhar da presidente Cristina Kirchner, vencedora nas recentes primárias gerais com 50,20% dos votos.
E estamos de volta ao táxi que segue sem muita pressa pelas ruas da estupenda metrópole latino-americana, capital do paÃs cujo PIB neste ano de crise geral deve bater perto dos 10%. Outra vez recém saÃda do buraco e novamente florescente em suas monumentais avenidas em diagonal, descrita na letra de “Anclao em Paris”, o tango imortal no qual Carlos Gardel canta sua saudade desde o exÃlio francês em Montmartre.
Sem tirar os olhos das bancas de revistas, alimentava a conversa com o bem informado e politizado motorista que me conduzia. Tentava matar com as informações de que dispunha no começo do ano, a curiosidade do taxista, também voltada para o futuro do ex-presidente do Brasil, mas com um viés de interesse bem argentino: “Como vai Lula? Por onde anda? Será que ele vem dar uma ajuda na campanha de reeleição da viúva este ano?”.
O motorista, sem disfarçar a paixão de peronista histórico, seguidor de Nestor Kirchner depois do desastre do governo Menem “que quase sepultou de vez a Argentina”, lembrava com emoção as imagens da recente passagem do ainda presidente brasileiro pela cidade, no velório de Nestor Kirchner. Lula suspendeu sua participação em comÃcio marcado para Recife, considerado crucial no Nordeste na reta decisiva da campanha de Dilma.
“Ele embarcou no Rio de Janeiro, onde se encontrava, e voou para abraçar Cristina no velório de “Pinguim” (Nestor Kirchner) na cena mais tocante transmitida ao vivo pela TV da Casa Rosada. Chávez, da Venezuela, também estava presente, mas os argentinos se apaixonaram pelo brasileiro”, conta o taxista, que insiste por uma resposta: “Ele vem ajudar Cristina?”
Na época – e isso contei em artigo neste espaço ao retornar de Buenos Aires no perÃodo do carnaval – , o ex-presidente mal iniciava sua nova fase de conferencista, em geral para empresários. Fiquei devendo uma resposta ao motorista de Buenos Aires.
Esta semana li reproduzida no Blog do Noblat matéria assinada pela repórter Janaina Figueredo, publicada originalmente no jornal O Globo. O texto informa que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitará Buenos Aires nos primeiros dias do mês que vem, na reta final da campanha para as eleições presidenciais do próximo dia 23 de outubro. Segundo a repórter, Lula participará de atos de campanha da presidente argentina.
A matéria acrescenta: “A presença de Lula, um dos polÃticos estrangeiros com melhor imagem no paÃs, caiu como balde de água fria entre os opositores de Cristina. Já é difÃcil enfrentar uma candidata que obteve 50,20% nas primárias realizadas em 14 de agosto passado. A ajudinha do presidente brasileiro favoreceria ainda mais a candidatura de Cristina, que segundo analistas locais vencerá sem problemas a eleição no primeiro turno”.
Pode ser que tudo isso seja parte do que a candidata a senadora nacional pela Frente Popular, Hilda “Chiche” Duhalde, chama de “estratégia do kirchenismo de instalar nos eleitores a idéia de que Cristina Kirchner já ganhou”. Ela exorta os partidos de oposição a “incrementar os controles para evitar que a manobra se repita no pleito de outubro que vem”. Oposição de fato e pra valer é isso mesmo. Mesmo com o reforço prometido de Lula no palanque argentino, acredita até o fim, na hora da apuração dos votos.
Falta pouco para a hora de conferir quem de fato tem farinha no saco para vender na feira, como dizem os gaúchos ali pertinho da fronteira.
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br
Celebrar o momento histórico em que a América Latina, com o declÃnio do império (por seus próprios e muitos pecados, diga-se), tem podido escolher seus lÃderes. Todos têm o direito de viver em paz – na América Latina ou na Indochina!
Victor Jara – El derecho de vivir en paz: