Adoniran…
…Zé Alencar e…
…Buñuel: luzes na escuridão
==================================================
ARTIGO DA SEMANA
ADONIRAN, ZÉ ALENCAR, BUÑUEL E O APAGÃO
Vitor Hugo Soares
Petardos passam zunindo sobre cabeças no meio do azucrinante tiroteio marcado pela hipocrisia polÃtica tÃpica dos comÃcios pré-eleitorais. É o que se vê por todo lado desde o apagão que deixou no escuro 18 estados do PaÃs. Governantes, polÃticos, gente de jornal, notórios cientistas, mas, principalmente candidatos, falam, se contradizem e se desentendem como no tempo de babel. No bafafá de Itaipu, todos, ou quase, falam de torres e usinas com olhos e idéias fixas não no desastre elétrico, mas na eleição que vem aà em 2010.
O blecaute do começo da semana deflagrou este clima meio surreal, na polÃtica e na administração publica. Verdadeira guerra de torcidas onde se diz e se inventa qualquer coisa e ninguém se entende, nem se importa com fatos ou cobra verdade cientÃfica e histórica das coisas e das pessoas, nem mesmo dos técnicos e especialistas no assunto. Verdadeiro Fla x Flu ou Ba x Vi dos bons tempos do futebol do Rio de Janeiro e da Bahia, transformados em vale-tudo polÃtico-eleitoral.
Em Salvador não faltou luz desta vez. Graças à velha e boa usina da CHESF, em Paulo Afonso, construÃda no governo de Getúlio Vargas e que vi ser inaugurada pelo presidente Café Filho em dia inesquecÃvel da vida de um garoto nascido na beira do Rio São Francisco. Parece lugar seguro para não perder lances eletrizantes (sem trocadilho) deste tumulto nacional.
Ainda assim, sinto-me, outra vez, como aquele personagem no bar do bairro paulistano do Bixiga, no samba de Adoniran Barbosa. Protegido debaixo de uma mesa, ele observa o malandro Nicola fazer misérias no meio da pancadaria generalizada em que voavam pizzas e bracholas para todo lado. Terminada a briga, no fim de “Um samba no Bixiga”, gente ferida para todo lado e o breque genial de Rubinato: “A situação está cÃnica. Os mais pió vai pras CrÃnicas”.
Grande Adoniran! Que bom poderia ser para o paÃs, se polÃticos, governantes, ministros, gerentes, cientistas e jornalistas parassem um pouco com esta zoada para escutar a letra e a melodia do samba da briga na cantina do Bixiga.
Não sendo possÃvel, que ao menos escutem com a atenção devida os conselhos oferecidos ontem por um sábio mineiro da atualidade, cada dia mais profético e essencial: o vice-presidente da República José Alencar. Enfim, alguém que olha em perspectiva, e vê muito além do próprio umbigo ou da eleição presidencial do próximo ano.
Para Alencar, o apagão pode ter sido uma “topada que ajuda a caminhar”. Bom mineiro que não nega a origem, bem sucedido empresário e polÃtico clarividente, ele sabe como poucos que o Brasil está amarrado e sujeito aos muitos riscos de seu tradicional modelo dependente da energia hidrelétrica de usinas monumentais como Itaipu e Paulo Afonso. Precisa diversificar sua matriz energética e investir em fontes alternativas – nuclear, térmica, eólica e a gás. “Há topadas que ajudam a caminhar. Então esperamos que essa nos ajude a ter uma energia com segurança absoluta para que isso não se repita”, ensinou o vice-presidente durante inauguração de um centro de inclusão social do Senai, no Rio de Janeiro.
Alencar considera fundamental descobrir o que provocou o apagão e, se tiver havido falha, que ela seja corrigida e os responsáveis punidos exemplarmente. Mas o principal, segundo ele, é que o episódio sirva para ser repensada a matriz energética. “O Brasil tem todas as condições de fazer o enriquecimento de urânio com fins pacÃficos, mas não pode porque assinou o tratado de não-proliferação de armas. É preciso ver se isso está funcionando com outros signatários. A verdade é que não é bem assim”, afirmou, com a coragem dos que pregam idéias, princÃpios sem se importar se isso pode render ou tirar votos nas próximas eleições. Grande Zé Alencar!
E o espanhol Luis Buñuel, onde entra nessa história toda? Bem, leio na “Ilustrada” do jornal Folha de S. Paulo, que “Meu Último Suspiro”, seu mágico livro de memórias, acaba de ganhar reedição. Isto é pura luz no meio do breu. Na matéria assinada por Marcos Strecker e na entrevista de Jean-Claude Carrière, na Folha, recebo preciosas informações que desconhecia sobre a fundamental participação do cineasta francês na concepção e execução desta obra indispensável, a não ser pelas breves palavras de Buñuel na introdução do exemplar que tenho. Mas deixo ao leitor a tarefa de descobri-las também.
O que quero agora é recolher duas referências de “Meu Último Suspiro”, que considero perfeitas para este momento surreal do debate sobre o apagão brasileiro. A primeira é sobre a memória – a sua perda principalmente – um dos capÃtulos mais marcantes da obra: “Indispensável e toda poderosa, a memória é também frágil e ameaçada. Ela não é apenas ameaçada pelo esquecimento, seu velho inimigo, mas também pelas lembranças enganosas que dia após dia nos invade”, diz Buñuel.
A segunda é sobre proliferação da informação, no capÃtulo em que o cineasta enumera as coisas de que ele mais gostava e as que mais detestava; “A informação-espetáculo é uma vergonha. Os tÃtulos enormes – no México atingem recordes – e as manchetes sensacionalistas me provocam náuseas. Todas essas exclamações sobre a miséria, para vender um pouco mais de papel! Para quê? Além disso, uma notÃcia destrói a outra.”
Grande Buñuel!
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br
Dá-lhe Vitor! Grande Buñuel, muito bem lembrado, oportunamente citado e extraordinariamente pertinente ao tema do seu excelente artigo! beijo carioca e saudações “vascaÃnas”, em nome do Rio de Janeiro. Questão de solidariedade ao feito do futebol carioca, porque eu torço pelo América, time tradicional e tÃmido, rs.
Cida Torneros
Bravo, bravÃssimo artigo, Vitor Hugo. Ao menos, uma luz nesta escuridão que, com certeza, não vem de Itaipu.
Muito bom, meu irmão, seu artigo, beleza pura! Luz, claridade e transparência na forma de ser e agir são virtudes de poucos, muito poucos mesmo, ainda mais quando se está em jogo tantos interesses…
AlvÃssaras, Vitor Hugo. Você é um dos poucos oásis nesse deserto em que se transformou a imprensa brasileira. É preciso muita cabeça, inspiração e sensibilidade para analisar a politica (?) brasileira.
Vitor, elogiar seu artigo seria chover no molhado. Só uma ressalva: você, com Buñuel, estranha o tamanho dos “tÃtulos enormes” da imprensa japonesa. Grande coisa… você não reparou no tamanho daqueles chapéus que eles chamam de sobreros? É da natureza deles, mexicanos.
Abraço
Pô! Não é a imprensa japonesa,mas a mexicana.
Pô! Não são sobreros, mas sombreros. Acho que a dosagem de álcool no sangue por conta da noite de sábado ainda não voltou ao normal.