“O que você acha/”
ARTIGO/REFLEXÕES
Psicotrópicos, solução ou droga?
Laura Tonhá
Faço parte de um grupo de mulheres, do Brasil e de outros países, que se correspondem por email, trocamos dúvidas e falamos sobre vida pessoal, quando isto é conveniente. Temos como premissa ajudarmos umas as outras. Recentemente, depois de um depoimento sofrido de uma das integrantes concluímos que uma boa opção seria procurar um psiquiatra. Durante a discussão, outras integrantes do grupo confessaram o uso regular de medicamentos psicotrópicos, com bons resultados na manutenção da qualidade de vida. Convencida, a integrante em questão decidiu procurar um médico. Dias depois relatou-nos contente que recebeu um diagnóstico esclarecedor e estava feliz com as perspectivas, ressaltou que consultar um psiquiatra havia sido uma quebra de paradigmas.
Aqui em Brasília, entre uma aula e outra, ouvi rumores, nos corredores de cursinhos sobre o uso de drogas que melhoram o rendimento dos concurseiros. Entre elas a ritalina e a ampaquina. Procurei saber do que se trata: ritalina, conceitualmente, é um medicamento para quem tem síndrome do déficit de atenção e hiperatividade, uma espécie de anfetamina, que proporciona maior concentração e aumenta o estado de alerta. A outra droga, ampaquina, vem sendo usada experimentalmente como tônico da memória, com efeito nas sinapses cerebrais e influencia positiva no aprendizado e na capacidade de memória. Aparentemente essas drogas estão sendo largamente utilizadas por pessoas interessadas em potencializar seu rendimento estudantil e/ou profissional.
Na academia fui abordada, pós aula de spinning, por uma atlética senhora que, entre tímida e entusiasmada, me questionou se eu estava fazendo uso do Lexapro, segundo ela “remédio do momento” nos consultórios psiquiátricos. Levou alguns segundos para “cair à ficha” e eu me lembrar onde já tinha visto aquele nome e entender o porquê daquela pergunta. Estava lá estampado em letras azuis na minha simpática e pequenina toalhinha, utilizada durante as suadas aulas de ginástica. Surpresa, expliquei que a minha toalhinha era um souvenir que meu pai, médico, havia ganhado em algum congresso, e que me era muito útil nas idas a academia, mas até aquele momento não tinha a menor noção do significado daquele nome grafado nela.
Outro dia a querida mãe de uma amiga comentou felicíssima que seu psiquiatra a tinha autorizado o uso do Prozac pelo resto da vida. Disse-nos que isto garantiria a sua paz e bem-estar pelos próximos anos, naturalmente ficamos contentes por ela. Eu mesmo adoraria uma pílula que me ajudasse a passar pelos cinco dias anteriores a minha menstruação, todos os meses, período em que o mundo se torna incrivelmente mais difícil e eu me sinto como dizem “doente dos nervos”.
Minha intriga com este assunto chegou ao nível máximo essa semana ao ler a coluna da Eliane Brum no site da revista Época, artigo intitulado “O doping dos Pobres”, onde ela questiona: “Nossa época está produzindo gerações de anestesiados? Para boa parte das pessoas tomar uma pílula para conseguir “aguentar a pressão” é tão trivial quanto tomar um cafezinho. O que tenho visto é um doping social. Combate-se a maconha, o crack, até o cigarro, ótimo. Mas e as drogas médicas que estão pelos barracos e pelos palácios? São menos drogas porque dadas por um doutor?”
Sou filha de psiquiatra e entendo que a psiquiatria é uma ciência. Acho saudável que da mesma forma que freqüentamos ginecologista, oftalmologista, endocrinologista entre outras especialidades médicas também nos consultemos com um psiquiatra, se for o caso. Não sou a Alice do País da Maravilhas, sei que as dores da alma podem roubar o nosso chão, já estive na frente de psicólogos e psiquiatras, chorei muito, mas nunca sai com uma receita de antidepressivo e/ou tranqüilizante. De qualquer forma, sou a favor uso dos medicamentos, desde que recomendados em situações específicas e administrados com acompanhamento médico.
Ainda assim, assisto intrigada à crescente utilização destes remédios e a diminuição do tabu em torno deles e questiono: a psiquiatria deu um salto significativo nos últimos anos e/ou as milagrosas pílulas parecem ser mesmo a solução para agüentar a vida neste mundo competitivo e exaustivo que vivemos?
Nos últimos 40 anos do século XX, houve o renascimento do entendimento biológico de algumas doenças mentais, a psiquiatria evolui e novos medicamentos surgiram. Quanto à vida, sabemos que esta dia-a-dia mais competitiva; confiamos menos uns nos outros; usamos mascaras que impendem relações profundas; somos cobrados a uma postura de super-heróis e estamos em pânico com a crescente violência entre tantas outras mazelas que roubam nosso equilíbrio e sanidade. Mas a questão continua pendente, pelo menos para mim, seriam as novas e velhas pílulas a solução para lidar com tanto desafio e tensão?
Já ouvi também comentários que questionavam a quem interessa a venda desses remédios e colocavam a indústria farmacêutica em cheque. A situação, neste caso, me pareceria ainda mais complexa. Penso se foi isso que Eliane Brum quis insinuar quando disse: “A medicalização da dor psíquica é um fenômeno relativamente recente. Pelo menos nesta proporção, com essa enorme variedade de medicamentos disponíveis e muito mais sendo produzido em escala industrial e vendido em licitações para a rede pública em suas variadas instâncias. Cada comprimido de diazepam (benzodiazepínico), por exemplo, custa menos de um centavo para a rede pública. Bem mais barato, digamos, que uma sessão de psicoterapia.”
E você o que acha?
Laura Tonhá é publicitária e mora em Brasília
Minha querida Laura, voce botou o dedo na ferida de um dos nossos maiores problemas dos tempos modernos – O uso e abuso de drogas por prescricao medica. Veja o exemplo infeliz de Michael Jackson, que acabamos de sepultar.
Os Estados Unidos, possivelmente, lidera essa adicao pois eh de praxe a prescricao de drogas por qualquer sintoma ou mesmo so por “precaucao”. O novo plano de reforma de saude abordo o assunto de frente.
Naturalmente que a parte psicologica e muito mais complexa e seu pai seria mais indicado para elaborar sobre o assunto.
No entanto, de principio, concordo com voce quanto a moderacao no acesso a estas drogas e na procura de solucoes alternativas, pois, na maioria das vezes o resultado eh uma dependencia muito perigosa e destrutiva.
A vida nao eh facil para ninguem e todos nos gostariamos de encontrar equela pilula magica que iria nos transformar nesse ser “perfeito”, que todos cobram, mas ninguem poder ser.
O assunto eh para muitas conversas mas muito oportuno.
Laura, querida, mais um excelente artigo seu. Aqui nos Estados Unidos, onde propaganda de cigarro e de bebida sao proibidas na midia, abundam propagandas de remedios e os analgesicos sao os campeoes de audiencia. Incrivel, como as pessoas tomam comprimidos sem prescricao para combater qualquer dor de cabeca, um minimo desconforto e motivo para dopping.
Excelente crítica, Laura.
Pior ainda é remédio tomado sem prescrição. Dia desses, um amigo me disse que pegou o tarja preta da mãe para conseguir dormir numa viagem. Quase surtei com ele e acho que fui bem estraga-prazeres, já que ele estava contando como se tivesse sido esperto.
E mesmo com prescrição: minha avó tomava um tarja preta para dormir. Era vício; se acabava, pedia outra receita e comprava mais. Só conseguia dormir com o tal remédio. Passou tanto tempo tomando que teve perda de neurônios da fala. Ela não consegue mais articular nenhuma palavra. Ninguém pensa nas consequências do remedinho, não é?
Parabéns Laura pelo artigo e crítica!!!!!
Problema deveras preocupante e ao meu ver de dificil solução. Afinal pressões existem de fato e os efeitos das drogas, das pirulas, certamente devastador. Muito bom seu artigo.
Então, Laura…
Limite de dor (e de pressão) é algo pessoal, individual e intransferível. Do ponto de vista evolutivo (puro) estamos permitindo que os menos adaptados sobrevivam – e tenham chance. Isso é compaixão, também.
Há um viés perverso na história dos psicotrópicos: pessoas que não suportam dor (ou mal estar, ou angústia – podem trocar aqui pelos “negativos que lhes vierem à mente).
Em uma sociedade onde não há espaço ou acolhimento para o que não é luminoso – e somos feitos de sombra E luz -, como expressar e viver o que não tem lugar?
Mais: a própria medicina incentiva isso, bancada exatamente pelos laboratórios que distribuem brindes e outras coisinhas aos médicos. Embora a propaganda de medicamentos seja controladíssima no Brasil, a indústria está trabalhando a todo vapor para cooptar os profissionais de saúde. E o resultado final, como sempre dependerá de uma equação para lá de complexa: a pessoa em questão, o médico que a atende, todos os fatores em torno de cada um deles e o resultado final.
A vida não é simples – e muito menos fácil para ninguém.
Em tempo: eu sou a favor da liberação de todas as drogas – e, assim, do seu controle pela sociedade, de forma democrática e justa. Para mim, isso acabaria com o negócio de milhares de bandidos. E a gente ainda teria mais segurança…
Mas esta é outra conversa.
Laura, a cada dia você me surpreende com artigos cada vez melhores. Siga em frente, linda… Você está demais… bjs Ila
Laura,
Concordo com a Lucia. A dor (e sua medida) é absolutamente particular. A busca para o seu alívio também. Não é fácil, nem sentir, nem encontrar a “cura”. Confio na mistura medicamentos (quando sob indicação e controle) e terapia. Só o auto-conhecimento pode oferecer o entendimento e a superação, não é?
Sermos felizes – é o que todos buscamos no fim do dia.
Beijo!!!
Oi gente, valeu pelos comentários. Sou a favor de qualquer coisa, isso inclui medicamentos, terapia, reiki, auto-ajuda, auto-conhecimento, grupo na internet candomblé, astrologia, numerologia etc, para que fiquemos bem, felizes, a vida é agora, afinal… na maioria das vezes precisamos testar e combinar muitas coisas para chegar no tratamento ideal e isso é sempre pessoal. Mas é preciso estar sempre consciente diante de todos os recursos. Finalmente, se a psiquiatria esta oferecendo bons recursos para as dores da alma. que bom, melhor assim. Bjo!