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Deu na Folha de S. Paulo
OPINIÃO
O LABIRINTO DA INTERNET
JOÃO SANTANA
Um paradoxo da cultura contemporânea é a incapacidade da maioria dos polÃticos de entender a comunicação polÃtica. Essa disfunção provoca, muitas vezes, resultados trágicos.
É o caso da lei votada pela Câmara dos Deputados para regular o uso da internet nas eleições. Se aprovada sem mudanças pelo Senado, vai provocar um forte retrocesso numa área em que o Brasil, quase milagrosamente, se destaca no mundo – sua legislação de comunicação eleitoral. Sim, a despeito da má vontade de alguns e, a partir daÃ, de certos equÃvocos interpretativos, o Brasil tem uma das mais modernas legislações de comunicação eleitoral do mundo.
O nosso modelo de propaganda gratuita, via renúncia fiscal, é tão conceitualmente poderoso que se sobressai a alguns anacronismos da lei, como o excesso de propaganda partidária em anos não eleitorais ou a ridÃcula proibição de imagens externas em comerciais de TV.
Os deputados decidiram errar onde não poderiam. Mas era um erro previsÃvel. A internet é o meio mais perturbador que já surgiu na comunicação.
Para nós da área, ela abre fronteiras tão imprevisÃveis e desconcertantes como foram a Teoria da Relatividade para a fÃsica, a descoberta do código genético para a biologia, o inconsciente para a psicologia ou a atonalidade para a música.
Na comunicação polÃtica, a internet é rota ainda difÃcil de navegar. Somos neogrumetes de Sagres em mares bravios.
Não por acaso, o mundo está infestado de curandeiros internáuticos a apregoar milagres. E a mÃdia potencializa resultados reais ou imaginários (“Ah, a campanha do Obama!”, “Ah, as eleições no Irã”, “Ah, o twitter do Serra”, “Ah, vem aà o blog do Lula”) sem que se consiga aferir a real dimensão do fenômeno.
Se é perturbadora para nós do meio, por que não o seria para legisladores e juÃzes? Principalmente para os polÃticos, que, como se sabe, sofrem desconforto com a comunicação polÃtica desde o surgimento dos meios modernos.
Desde sua origem nas cavernas, o modo de expressão polÃtica tem dado pulos evolutivos sempre que surge um novo meio.
De Aristóteles, patrono dos marqueteiros, passando pelos áureos tempos da santa madre igreja, que já deteve a mais poderosa máquina de propaganda polÃtica – é a criadora do termo com sua “Congregatio de Propaganda Fide”-, até os dias de hoje, a comunicação politica é feita por meio de uma simbiose entre o que se diz – o conteúdo retórico -persuasivo – e seu suporte de expressão, as ferramentas comunicacionais. Um influenciando o outro e os dois influenciando, sem parar, as sociedades e instituições.
Foram enormes os pulos causados pela imprensa, pelo rádio, pelo cinema e pela TV na forma e no modo de fazer polÃtica. Mas nada perto dos efeitos que trará a internet.
Não só por ser uma multimÃdia de altÃssima concentração, mas também porque sua capilaridade e interatividade planetária farão dela não apenas uma transformadora das técnicas de indução do voto mas o primeiro meio na história a mudar a maneira de votar. Ou seja, vai transformar o formato e a cara da democracia.
No futuro, o eleitor não vai ser apenas persuadido, por meio da internet, a votar naquele ou naquela candidata.
Ele simplesmente vai votar pela internet de forma contÃnua e constante.
Com as vantagens e desvantagens que isso pode trazer.
As cibervias não estão criando só “novas ágoras”. Criam também novas urnas. Do tamanho do mundo. Vão ajudar a produzir uma nova democracia tão radicalmente diferente que não poderá ser adjetivada ou definida com termos do nosso presente-passado, tipo “representativa” ou “direta”.
Sendo assim, creio que nossos legisladores não vão querer passar para a história como os que imprimiram um sinete medieval em ondas cibernéticas. Não é só o erro, como já se disse, de encarar um meio novo com modelos de regulação tradicional. É porque a internet, no caso da comunicação polÃtica, nasceu indomável. E sua força libertadora tem de ser estimulada, e não equivocadamente reprimida.
Já há um consenso do que deve ser modificado na proposta da Câmara. O Senado, que vive profunda crise de imagem, tem um bom tema de agenda positiva. Mas não é por oportunismo que urge corrigir os equÃvocos da Câmara. É simplesmente pelo prazer de estar conectado com o futuro.
JOÃO SANTANA, 56, é jornalista, publicitário e consultor polÃtico. Já coordenou o marketing de dezenas de campanhas estaduais e municipais (como a de Marta Suplicy em 2008), além de três campanhas presidenciais, no Brasil (Lula em 2006), na Argentina e em El Salvador.